sábado, 6 de maio de 2017

BIOGRAFIA DE BELCHIOR: Olha Para o Céu, Tira o Teu Chapéu Pra Quem Fez a Estrela Nova Que Nasceu...


“Gostava dos autores clássicos, da literatura erudita, dos idiomas estrangeiros. Tinha especial interesse por latim. Mais tarde, a inteligência rendeu vaga no Liceu do Ceará, no Seminário de Guaramiranga e o primeiro lugar no vestibular de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).”.
Um dos maiores especialistas do clássico mundial: "Divina Comédia" de Dante Alighieri. Passou a vida com o ideal de traduzi-la para a cultura popular.

Antonio Carlos Belchior é o que está escrito na Certidão de Nascimento registrada no Cartório do 2º Ofício da Comarca de Sobral, mas Belchior quis anexar ambos os sobrenomes materno e paterno: de Dolores Gomes Fontenelle Fernandes e de Otávio Belchior Fernandes, e assim tornou-se o maior nome da música popular brasileira e ao mesmo tempo restrito a somente Belchior. “Antonio Carlos Gomes BELCHIOR Fontenelle Fernandes” nasceu em Sobral, Ceará, em 26 de Outubro de 1946. Faleceu em Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul, na madrugada de 29 de Abril de 2017. Na noite desse sábado fez um pequeno show e depois foi para casa (emprestada por um empresário que muito o admirava) e disse estar com dor nas costas, e foi se deitar no sofá da sala. Não acordou mais. Na madrugada foi encontrado pela companheira de longo exílio (desde 2009 ambos perambulavam por vários lugares, sem dinheiro, escondidos, procurados...) a produtora artística e militante da esquerda, Edna Assunção de Araújo, conhecida como Edna Prometheu. Segundo o delegado que compareceu a casa, Belchior estava sereno ouvindo música clássica. Exames médicos legistas constataram morte por ruptura da aorta. O artista teve dois velórios, ambos com honras militares. O governo do Estado do Ceará na pessoa do governador Camilo Santana teve a sensibilidade de arcar com as despesas do translado e viabilizar todas as homenagens. O corpo do artista chegando ao Ceará foi velado na manhã de 1º de Maio, 2017, no Teatro São João em Sobral sob aplausos da multidão emocionada que cantava as suas canções sob o som intermitente das sirenes das viaturas militares do Corpo de Bombeiros. Logo à tarde, por volta das 12 horas e 30 minutos, a urna mortuária de Belchior chega, também conduzida pela viatura do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Ceará e começa o velório aberto ao público em Fortaleza no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, situado na Praia de Iracema, onde grandioso número de fãs, alguns familiares, a imprensa, artistas e até turistas, todos emocionados chegam de vários bairros da cidade, cada vez mais fazendo uma aparência de massa humana aos arredores do centro artístico cultural. Na chegada acompanham o caixão conduzido a pé pelos oficiais militares e clamam "Vai com Deus Belchior!". Cantam, alguns levaram violão, outros, homens e até mulheres, pregaram no rosto um maciço bigode preto; exibem improvisados cartazes de papelão com “Obrigado Belchior". Cenas parecidas devem se repetir quando da condução pela manhã para o cemitério. O corpo permanece a noite toda exposto à visitação pública no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, localizado na Praia de Iracema. Ás 7 horas da manhã (2 de Maio) acontece a Missa de corpo presente com a presença dos fãs. Ás 9 horas em outra cerimônia somente com os mais íntimos e alguns familiares é sepultado no Cemitério Parque da Paz, em Fortaleza, ao lado dos restos mortais do pai e da mãe, como ele havia pedido em vida.

Foi ungido Monge capuchinho no mosteiro cearense em Guaramiranga, dos Frades Menores Capuchinhos da Ordem Franciscana, onde recebeu o nome de “Frei Francisco Antonio de Sobral”. Filósofo, poeta, sabia tocar vários instrumentos musicais, mas preferia o violão. Estudou canto e piano, pintava quadros, adorava ouvir rádio, gostava de fumar cachimbo, gostava de usar chapéu de felpo. Gostava do denso bigode que até pintava de preto quando começaram as inevitáveis cãs. Nele vivia uma vasta cabeleira que nunca entrou em declínio.

Teve acesso a vasta literatura dos maiores clássicos mundiais, falava cinco idiomas. Adorava a música de Bob Dilan. Teve vinte e dois irmãos (o pai casou duas vezes, era um pequeno comerciante, tinha uma pequena mercearia, era um bodegueiro como se diz no Ceará). Foi cantador e poeta repentista nas feiras de Sobral ao lado do seu pai que também tocava flauta e saxofone, e de sua mãe que cantava no coro musical da Igreja. A sua família era toda musical e até os tios eram seresteiros. Em 1962, aos 16 anos veio para Fortaleza estudar no consagrado e disputado colégio Liceu do Ceará onde só passavam os verdadeiramente capacitados.

Formou-se em Filosofia e em Humanidades, e cursou medicina até o quarto ano na Universidade Federal do Ceará, mas de repente abandonou o curso e se decidiu a trilhar a carreira de cantor e compositor. Era em 1971. Foi para o Rio de Janeiro “viver ou morrer de música” ele afirmou. Não levou os documentos e nem os comprovantes do curso na Universidade. Numa viagem sem nenhum dinheiro e cheia de dificuldades. Morava de favores em casa de amigos que arranjou por lá, pois foi sem conhecer ninguém.

Quando em Fortaleza, além do curso de medicina, era professor em escolas de curso secundário, que naquele tempo era o curso ginasial e se juntou aos também jovens artistas cearenses, cantores e compositores, chamados de "Pessoal do Ceará", tais como Fagner, Fausto Nilo, Ednardo, a cantora Teti, Rodger Rogério, Fagner, Taiguara, Amelinha e outros.

Envolvente, charmoso, temperamento alegre, de porte elegante, sorriso cativante, poeta, repentista, andarilho, professor, ex- estudante de medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC) onde passou em primeiro lugar, ex- monge capuchinho da ordem franciscana.  Foi sempre muito gentil e de fino trato. Culto, educado, inteligente e sensível. Segundo a sua colega amiga cantora Amelinha “As mulheres se derretiam pelo seu charme educado, sua voz rouca, a conversa agradável e divertida e o abraço carinhoso. Ele sempre soube ouvir e dar atenção às pessoas”.

Belchior andou no meio dos artistas de todos as modalidades. Conheceu o luxo dos hotéis 5 estrelas, dormiu em canteiro de obras, pernoitou em abrigo para moradores de rua, morou por favores, que favores?! Melhor dizer, morou por caridade de fãs. Na casa em que faleceu estava morando por caridade de um empresário que muito o admirava. Teve muito dinheiro, não teve dinheiro algum. Deixou várias vezes em vários momentos de sua vida os seus pedaços e os seus pertences abandonados nos caminhos... Abandonou automóvel na rua, acumulou milhões em dívidas e em processos judiciais contra si, pois a família lhe bloqueou os bens quando ele foi embora com Edna, deixou todos os documentos por hotéis de luxo, pelas ruas, pelas pousadas, e numa delas lhe tomaram o violão, por falta de pagamento. Há relatos que a companheira era dominadora e portadora de manias de perseguição. Outros relatos referem que um homem inteligente como ele não se deixaria anular. Mas fato é que se tornaram inseparáveis. E há quem diga que ambos juntaram as ideologias.

Virou anônimo. Esquecido até da mídia sedenta por notícias bombásticas. O dono de uma pousada tomou o seu violão, e não foi manchete. Cá pra mim, como se diz pleonasticamente, e com o nosso sotaque melodioso no sertão e de arranque na capitá, aqui no meu, no nosso Ceará, tenho pra mim que isso foi uma das grande dor pra ele.

Sumiu do mundo. E em uma de suas 200 canções conhecidas disse "...eu ando pelo mundo prestando atenção". Belchior, tu desististes também deste mundão caótico em que tanto andastes, que te cobriu de cobranças, bloqueou-te os bens como se foras um incapaz, te tomou à força o violão, que deixou muda a tua voz, que te deu medo, medo, medo, medo. E fizestes silêncio quando a morte chegava, pois entendias muito bem o que era aquela dor "nas costas", porque eras praticamente um médico. Mas, deixaste-nos o tesouro que o tempo não apaga, os ladrões não roubam e nem as traças corroem - a Poesia da Tua Alma. Fostes para o infinito muito longe, bem longe, do jeito que tanto gostavas! Mas vais ficar para sempre dedilhando o teu violão e cantando para todos os que te viram e ouviram e por isso te amam. Especialmente ficastes nas tardes azuis da Primavera da minha vida sentado com teu violão e começando os versos de "Galos, Noites e Quintais" no meu coração. Descanse em Paz Belchior.


REFERÊNCIAS:

site: Época, globo online: "A Divina Tragédia de Belchior":
http://epoca.globo.com/vida/noticia/2013/12/divina-tragedia-de-bbelchiorb.html

jornal O Povo online: “Belchior 70 anos de vida e poesia”:
http://especiais.opovo.com.br/belchior70anos/

site Piauí folha UOL: “O CLAUSTRO. O relato dos três anos em que Belchior viveu em um mosteiro”. Por JOTABÊ MEDEIROS, em 2 de maio de 2017, 15:53:
http://piaui.folha.uol.com.br/o-claustro/


Jornalista REDATORA: Altair Andrade Cruz.


GALOS, NOITES E QUINTAIS – Belchior, 1977.
Quando eu não tinha o olhar lacrimoso,
que hoje eu trago e tenho;
Quando adoçava meu pranto e meu sono,
no bagaço de cana do engenho;
Quando eu ganhava esse mundo de meu Deus,
fazendo eu mesmo o meu caminho,
por entre as fileiras do milho verde
que ondeia, com saudade do verde marinho:
Eu era alegre como um rio,
um bicho, um bando de pardais;
Como um galo, quando havia...
quando havia galos, noites e quintais.
Mas veio o tempo negro e, à força, fez comigo
o mal que a força sempre faz.
Não sou feliz, mas não sou mudo:
hoje eu canto muito mais!

DIVINA COMÉDIA HUMANA >> Viver a divina comédia humana onde nada é eterno
Ora direis, ouvir estrelas, certo perdeste o senso
E eu vos direi no entanto:
Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não eu canto.

ALUCINAÇÃO >>A minha alucinação é suportar o dia-a-dia,
E meu delírio é a experiência com coisas reais.

À PALO SECO >>Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava
De olhos abertos lhe direi
Amigo eu me desesperava (...) E eu quero é que esse canto torto feito faca
Corte a carne de vocês.

CONHEÇO O MEU LUGAR: >> O que é que eu posso fazer
Um simples cantador das coisas do porão?
Deus fez os cães da rua pra morder vocês
Que sob a luz da lua
Os tratam como gente - é claro! - aos pontapés.

VELHA ROUPA COLORIDA >> Você não sente nem vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
E o que há algum tempo era jovem novo
Hoje é antigo, e precisamos todos rejuvenescer.

VELHA ROUPA COLORIDA >> Como Poe, poeta louco americano, eu pergunto ao passarinho: Black bird, Assum Preto, o que se faz?"
E raven never raven never raven
Pássaro Preto, pássaro preto black bird me responde:
"Tudo já ficou atrás"
E raven never raven never raven
Black bird, Pássaro Preto, Pássaro Preto me responde:
"O passado nunca mais".

COMO NOSSOS PAIS >> Você me pergunta
Pela minha paixão
Digo que estou encantado
Como uma nova invenção
Eu vou ficar nesta cidade
Não vou voltar pro sertão
Pois vejo vir vindo no vento
Cheiro de nova estação.

COMENTÁRIO A RESPEITO DE JOHN >> Não preciso que me digam de que lado nasce o Sol, por que bate lá o meu coração.

CORAÇÃO SELVAGEM >> Mas, quando a vida nos violentar
Pediremos ao bom Deus que nos ajude
Falaremos para a vida
Vida pisa devagar
Meu coração, cuidado, é frágil
Meu coração é como um vidro
Como um beijo de novela
Meu bem
Talvez você possa compreender a minha solidão
O meu som, a minha fúria.

PEQUENO MAPA DO TEMPO >>
Eu tenho medo e medo está por fora
O medo anda por dentro do teu coração
Eu tenho medo de que chegue a hora
Em que eu precise entrar no avião
Eu tenho medo de abrir a porta
Que dá pro sertão da minha solidão
Apertar o botão: cidade morta
Placa torta indicando a contramão
Faca de ponta e meu punhal que corta
E o fantasma escondido no porão
Medo, medo. Medo, medo, medo, medo...

ESPACIAL >> Olha para o céu: Tira teu chapéu
Pra quem fez a estrela nova - que nasceu
Traz o teu sorriso novo espacial
Pra quem fez a estrela artificial
Eu sei que agora a vida deixa de ser vã
Pois há mais luz na avenida
E mais um astro na manhã
Quem volta do seu campo, ao sol poente, vem dizer
Que a estrela é diferente e fez o trigo aparecer
Olha para o céu: Tira o teu chapéu
Pra quem fez a estrela nova - que nasceu
Não é pra são Jorge, nem pra são João
Pois não é outra lua e não é balão
Quem mora no oriente não vai se incomodar
Ao ver que no ocidente a estrela quer passar
Não há mais abandono nem reino de ninguém.
Se a terra já tem dono, no céu ainda não tem
Por isso vem; deixa o cansaço, apressa o passo
E vem correndo pro terraço e abre os braços
Para o espaço que houver
Quem não quiser deixar a terra em que vivemos
Pelos astros aonde iremos vai ouvir
Ver e contar tantas estrelas
Quantas forem nossas naves, noutros mares mais suaves
A voar, voar, voar.

DE PRIMEIRA GRANDEZA >> Quando eu estou sob as luzes
não tenho medo de nada
e a face oculta da lua – que é a minha!
aparece iluminada.
Sou o que escondo – sendo uma mulher
igual a tua namorada,
mas o que vês quando me mostro – estrela
de grandeza inesperada.
Musa, deusa, mulher, cantora e bailarina!
A força masculina atrai, não é só ilusão!
A mais que a história fez e faz o homem se destina
a ser maior que Deus por ser filho de Adão.
Anjo, Herói, Prometeu, poeta e dançarino!
A glória feminina existe e não se fez em vão!
E se destina à vida, ao gozo, a mais do que
imagina o louco que pensou a vida sem paixão.



(😀pssiu! Ei Belchior, eu te entendo. "De Primeira Grandeza" foi pra Edna Prometheu, num foi?).